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Walter Iorio: as lições da crise e o papel das entidades

Mai 04 2017

A recessão econômica dos últimos dois anos fez a construção civil entrar em choque e despencar no vazio. O setor caiu 40%, deixando 2,5 milhões de trabalhadores desempregados, inclusive milhares de engenheiros. Toda a cadeia produtiva foi profundamente afetada. Projetistas, calculistas, executores de fundações, construtoras, incorporadoras, empreiteiras: ninguém escapou incólume.


A queda do mercado foi acompanhada por práticas nefastas, como o aviltamento dos preços, a concorrência desleal e o declínio sensível na qualidade de projetos e obras. A única nota positiva desse cenário é que o pior
parece ter ficado para trás, ainda que as perspectivas para os próximos 18 meses sejam de crescimento bem modesto.As dimensões inéditas dessa crise exigem profunda reflexão, acredita o presidente da ABEG, Ilan D. Gotlieb. “Todos os setores da construção civil precisam aprofundar o diálogo interno sobre a crise e, principalmente, sobre as saídas que podem levar a um novo momento de crescimento sustentado”, afirma.

Com esse objetivo, a ABEG tem ouvido profissionais ligados à própria Associação e também ligados a entidades importantes e próximas, como é o caso desta vez do engenheiro Walter Roberto Iorio.

Presidente da Enbrageo Engenharia, Iorio presidiu a ABEF (Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Geotecnia) de 2012 a 2014. Hoje ele é o diretor de Eventos da mesma associação, sob cuja responsabilidade está a realização do SEFE 9 (Seminário de Engenharia de Fundações Especiais e Geotecnia), em 2018.

Um dos temas abordados nessa entrevista diz respeito ao papel que ABEG, ABEF e outras entidades do setor podem desempenhar para apoiar suas empresas associadas a superar o cenário atual e voltar a crescer.

“Precisamos voltar nossos olhos para dentro de nossas associações”, afirma Walter Iorio. “É fundamental valorizar tecnicamente as nossas associadas, exigir de todos que os projetos e as fundações sejam feitos de acordo com a qualidade técnica indispensável”.

Outra iniciativa importante das entidades, segundo o empresário, é a de comunicar ao mercado e aos contratantes que as empresas associadas à ABEG e à ABEF primam por colocar a qualidade em primeiro lugar. “A boa reputação de nossos associados precisa ser comunicada e disseminada pelo mercado para que nossos clientes saibam perfeitamente disso”.



Mercado desestruturado

A importância dessas práticas, que devem ser levadas à frente pelas entidades técnicas do setor, é ainda mais destacada em momentos de crise como o atual. “Estamos vendo empresas, desesperadas ou inexperientes, trabalhando por qualquer preço, sem levar em conta os custos”.

Iorio lembra que mesmo quem está à frente de várias obras não tem muitas vezes recursos para levar o projeto adiante – o que provoca atrasos nos pagamentos de prestadores de serviços e de empresas terceirizadas, tumultuando o setor.

Muitas vezes, à falta de recursos soma-se a incapacidade de gestão eficaz. “Quem responde por contratar serviços de engenharia é hoje um comprador na maioria das vezes sem nenhuma qualificação técnica para a função”, revela o diretor da Enbrageo.

Ele cita as dificuldades enfrentadas pelas empresas de projetos e consultoria em engenharia geotécnica. “Consultor vende conhecimento, experiência”, afirma Iorio. “Ele não pode sujeitar-se à guerra de preços proposta por quem contrata ou por quem oferece serviços a preço vil”.

Para Walter Iorio, as contratações de serviços de engenharia deveriam levar em conta uma correta avaliação técnica – e não simplesmente o menor preço.



Crescimento de 4% em 2020

O Brasil só terá crescimento expressivo, 4% ou mais ao ano, a partir de 2020, acredita o engenheiro. E há várias causas para isso, aponta ele. As empresas do setor de construção civil estão com dívidas elevadas, assim como o consumidor final de bens imobiliários.

Além disso, o país terá ainda que atravessar o longo processo de depuração que acontece no bojo da operação Lava-Jato. “O momento atual é único”, diz Walter Iorio. “Não podemos deixar passar essa oportunidade para eliminar essas práticas que agora vieram à luz. A superação desse quadro depende do comportamento de todos nós”.

Ele acredita também que a retomada do crescimento começa ainda em 2017, ainda que num ritmo bem lento, de até 1% de elevação do PIB. Mas isso depende ainda do desempenho das reformas trabalhista e da previdência que tramitam no Congresso Nacional.

Iorio entende, no entanto, que o próximo grande momento de crescimento deverá acontecer dois anos depois de eleito o novo governo da República em 2018. “Chegando lá, vamos ter de enfrentar a falta de mão de obra qualificada, a escassez de equipamentos, que estão sendo ‘canibalizados’ na crise, e a baixa qualidade dos projetos”.

 

Enbrageo preparou-se para a crise


A Enbrageo Engenharia é focada em duas áreas principais – as estacas raiz e os tirantes. A empresa fez investimentos de US$ 1,5 milhão em 2013 na compra de novos equipamentos, que foram rapidamente pagos.

No ano seguinte, em 2014, conta Iorio, “sentimos a aproximação da crise e adotamos práticas muito conservadoras, o que permitiu que chegássemos em 2015 com a empresa perfeitamente equilibrada”. A crise, naturalmente, afetou a Enbrageo, que teve que reduzir bastante seu quadro de colaboradores. Mas a empresa está pronta para a retomada do mercado.

O mercado a partir de agora vai passar por transformações profundas. Walter Iorio acredita que haverá espaço principalmente para dois tipos de empresas no setor de serviços de engenharia – as grandes empresas, que devem terceirizar “projetos e fundações”, e as pequenas empresas, que atuam na prestação de serviços específicos, como a própria Enbrageo. Iorio não vê espaço para empresas de porte médio que assumem projetos completos.

A lição final da crise, segundo o engenheiro, é a compreensão de que as empresas do setor precisam assumir integramente a sua condição empresarial. “Não é viável mais a visão romântica, que muitos acalentamos no passado, da busca por aquele projeto que alimenta a alma técnica da empresa, mas nem sempre produzem bons resultados financeiros. O mais importante é a viabilidade e o retorno financeiro de cada projeto – garantida, naturalmente, a qualidade técnica indispensável”.

 

 

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